Muita gente ainda vive em união estável sem se dar conta disso e isso é um fato preocupante – já que como sabemos, a união estável projeta importantes efeitos patrimoniais aos envolvidos. basta a leitura do art. 1.725 do código civil:
Art. 1.725. Na união estável, salvo contrato escrito entre os companheiros, aplica-se às relações patrimoniais, no que couber, o regime da comunhão parcial de bens”.
O mesmo artigo que sentencia a aplicação do regime da comunhão parcial de bens ao relacionamento assim reconhecido também aponta uma solução: a pactuação via contrato escrito (que pode ser uma escritura pública ou um instrumento particular) onde o casal pode pactuar regras e com isso podem inclusive afastar a presunção legal desse regime com regras claras no artigo 1.658 e seguintes do código civil.
É claro que tanto na união estável quanto no casamento haverá situações em que as partes não poderão pactuar regime de bens (como aquelas definidas no art. 1.641 do mesmo código civil).
Afastadas tais hipóteses, restará possível ao casal pactuar quaisquer dos regimes oferecidos pelo código ou ainda, criar um regime personalizado/exclusivo, que atenda às necessidades especiais do casal (e aqui é muito aconselhável a consulta a um advogado especialista – sugestão que pode evitar muita dor de cabeça no futuro).
Sempre salientamos que mesmo que as pessoas não se atentem para isso podem de fato estar vivendo uma União Estável. Algumas pessoas acreditam que só haverá que se falar em União Estável se houver um documento escrito falando sobre isso. Ledo engano.
Como se viu, a Lei não exige contrato (ou qualquer outro escrito) para a configuração da união estável. A polêmica regra (a qual achamos muito acertada, inclusive) do art. 1.723 apenas descreve os requisitos que, caso as partes voluntariamente já não assentem e reconheçam, poderá ser objeto de uma ação judicial de reconhecimento (ou reconhecimento e extinção) de união estável:
“Art. 1.723. É reconhecida como entidade familiar a união estável entre o homem e a mulher, configurada na convivência pública, contínua e duradoura e estabelecida visando constituição de família”.
Bom sempre recordar que o artigo 1.723 deve ter leitura constitucional especialmente ancorada nos importes julgados do STF e do STJ e também nos atos normativos do CNJ e na imensidão de decisões judiciais que legitimam a União Estável entre pessoas do mesmo sexo o que já não mais se discute há muito tempo.
A união estável se difere do casamento nesse ponto, pois, enquanto nela não se exige a formalidade da pactuação para sua configuração bastando o preenchimento dos requisitos acima, o Casamento só existirá se houver a celebração que deságua no registro do assento no Cartório do RCPN, na forma da Lei (art. 1.514 c/c art. 1.543).
Como sempre recomendamos aqui, melhor é tratar a questão/o relacionamento do que esperar os efeitos que dele decorram se tornem problemas.
Se efetivamente há um relacionamento esse pode ser tratado/regulado via um contrato de namoro se para o casal efetivamente ainda tem essa conotação).
Ou ainda, através de um contrato de união estável e aqui tratando com todo cuidado as questões patrimoniais, ou um bom pacto antenupcial que servirá para regular as questões patrimoniais quando o caso for mesmo de casamento.
Por norma a escolha do regime de bens poderá evitar a confusão patrimonial com o afastamento da presunção que gera o “direito de meação”.
Meação não é herança, é direito que nasce no casamento e se realiza no momento da extinção do casamento, seja “intervivos” com a dissolução da união estável ou o divórcio, ou ainda “causa mortis”, quando ocorre o falecimento do outro. ainda assim, é importante recordar que existe na lei regras que não podem ser afastadas.
Como aquelas relacionadas à ordem de vocação hereditária (art. 1.829) que prevê inclusive a possibilidade do cônjuge receber herança mesmo se casado no regime da separação [convencional] de bens ou mesmo da separação [legal] de bens: inciso iii do art. 1.829.
O art. 1.838 do mesmo Código também deixa claro: “Art. 1.838. Em falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente”.
De fato, mesmo casados (ou vivendo em união estável) sob o regime da separação convencional de bens ou na separação legal de bens poderá o sobrevivente herdar a totalidade da herança se não houver descendentes nem ascendentes. A decisão do TJMG escorada em precedentes do STJ (AgInt nos EAREsp 1248601/MG, J. em 27/02/2019, AgInt no REsp 1354742/MG, J. em 16/02/2017 e AgInt no REsp 1878044/GO, J. em 24/08/2020) acerta mais uma vez:
“TJMG. 10000210133583001. J: 29/04/2021. EMENTA: agravo de instrumento. inventário. ausência de descendentes e ascendentes. cônjuge sobrevivente casado pelo regime da separação obrigatória de bens. integralidade da herança independentemente do regime de bens adotado no casamento. art. 1.838, do código civil. precedentes. decisão que indeferiu a habilitação dos irmãos do falecido. manutenção. recurso conhecido e não provido.
1. Na falta de descendentes e ascendentes, será deferida a sucessão por inteiro ao cônjuge sobrevivente, independentemente do regime de bens adotado no casamento, nos termos da norma inserta no art. 1838 do Código Civil, sendo correta a decisão que indeferiu o pedido de habilitação dos parentes colaterais (irmãos). Precedentes do Superior Tribunal de Justiça”.
Há quem sustente que poderão os cônjuges (ou companheiros) ainda em vida abrir mão de futuro direito concorrencial de herança (e – PASMEM – o Código de Normas do Estado do Rio de Janeiro no ano de 2023 permite essa disposição).
Porém não comungamos dessa possibilidade por estrita vedação legal (art. 426 do CCB) assim como de massiva jurisprudência haja vista se tratar do malfadado “Pacta Corvina” (ou “Acordo de Corvos”).
Por Julio Martins Advogado, com especialização em Direito Notarial, Registral e Imobiliário, Direito Processual Civil, Direito do Consumidor, Direito da Família, Planejamento Sucessório e Patrimonial assim como Direito das Sucessões.
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